sábado, 27 de fevereiro de 2016

O entreguista delirante





Um dia após o Senado aprovar o projeto entreguista de José Serra, o PLS 131, que retira da Petrobrás a condição de operadora única dos campos de pré-sal, o senador tucano publicou no jornal O Estado de São Paulo longo artigo em que tenta fazer a defesa do projeto. Para isso se utiliza de um argumento quase único: a Petrobrás não tem, no momento, capacidade financeira de ser a operadora única do pré-sal.  Já que é assim, abram-se as portas para as multinacionais operarem a vontade. O que Serra esconde em sua delirante tentativa de parecer preocupado com o país?

1) A Petrobrás não é a única empresa petrolífera que passa por dificuldades; o lucro de todas as grandes companhias desabou com a queda do valor do barril do petróleo. No comparativo dos anos 2015/2014, os lucros da ExxonMobil recuaram 52%, os da Chevron 89,9%, os da Shell 33%, os da BP 64% e os da Eni 84%.
Nesse cenário de baixos preços e incertezas geopolíticas por   conta dos conflitos no Oriente Médio e do avanço do Estado Islâmico, a exploração do pré-sal brasileiro é uma das melhores alternativas para o retorno dos lucros das multinacionais.
Serra cumpre, assim, o compromisso que assumiu com a diretora da Chevron, Patricia Padral, em 2009, segundo documentos revelados pelo Wikileaks.

2) Serra diz, em seu artigo, que a intenção do projeto é “produzir mais petróleo, independentemente da origem do capital”.
Tal afirmação só pode vir de quem desconhece o  mercado de petróleo (como ele acusa seus opositores) ou de alguém que tem plena consciência dos interesses que representa travestido de um mandato senatorial.
Não se trata, simplesmente, de “produzir mais petróleo” e remeter lucros para o exterior. A importância estratégica do petróleo requer que sua exploração, extração e refino sejam pensados sob a ótica do desenvolvimento nacional.
Ao colocar a operação nas mãos de empresas estrangeiras, o Brasil abre mão de sua soberania e do poder de definir estratégicas macroeconômicas.

3) Outro grave problema é que não há modelo de aferição do petróleo produzido e do levantamento dos custos que sejam confiáveis se não se tiver a Petrobrás como operadora. Isso significa que cada nova operadora irá informar o volume de produção sem que o governo tenha poder de fiscalizar.
A coisa funciona assim. O contrato de partilha do campo de Libra, leiloado em outubro de 2013, e que deverá ser modelo para futuras concessões, especifica em seu artigo 17.1 que “a partir da data de início da produção de cada campo, os consorciados deverão, periódica e regularmente, mensurar o volume e a qualidade do petróleo e gás natural produzidos no ponto de medição. (...)”.
Com a raposa tomando conta do galinheiro, o projeto de Serra é uma porta aberta para evasão de recursos, sonegação e menos recursos para Saúde e Educação. Exatamente o contrário do que afirma o senador paulista.  

4) A quebra da obrigatoriedade da Petrobrás como operadora única do pré-sal se insere em um contexto de disputas internacionais. Serra sabe que o atual preço do barril de petróleo não se manterá e a estratégia da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é dificultar a capacidade de investimento de grandes petrolíferas, como a Petrobrás.
Em entrevista publicada no dia 6 de março de 2015 ao jornal Valor Econômico, o chefe global do mercado de commodities do banco francês BNP Paribas, Harry Tchilinguirian, foi absolutamente claro sobre o assunto: “a maior preocupação da Opep, que decidiu em novembro deixar o preço do petróleo recuar, não é a expansão da exploração de petróleo e gás não convencionais nos EUA, e sim, as grandes petroleiras e seus investimentos em área de custo mais alto de produção, como a Petrobrás e o pré-sal brasileiro. A estratégia é fazer com que as grandes companhias desistam de seus investimentos de custo mais alto. Com isso quando houver escassez de oferta nos próximos anos e o preço de petróleo voltar à trajetória de crescimento consistente, as empresas terão dificuldades em retomar os projetos com rapidez, abrindo espaço para a Arábia Saudita e sua estatal, Saudi Aramco”... “As companhias envolvidas nessa área vão cancelar seus projetos [com a quedas do preço do barril de petróleo] e não serão capazes de retomá-los quando o preço alcançar US$ 100 [o barril], porque estamos falando de um ciclo de cinco anos”.
Não é curioso como essa análise se encaixa perfeitamente ao projeto de Serra? Ainda assim, o senador tucano diz atuar em defesa dos interesses nacionais.

5) Serra diz no artigo que o PLS 131 não muda o marco regulatório e o sistema de partilha, mas, quase freudianamente, escreve “no novo marco que proponho, a Petrobrás recuperará o direito de selecionar seus investimentos”.  Está aí mais um “pulo do gato”.
Todos sabem que o PSDB é contra o modelo de partilha – prefere o de concessão (e não cabe aqui esmiuçar os porquês) e é contra o Estado possuir uma empresa pública de petróleo – quando no governo tentou, por diversas vezes, privatizar a Petrobrás.
A companhia tem no governo federal seu acionista majoritário, e sendo a maior empresa pública do país, responsável por quase 13% do PIB nacional, deve ser utilizada como indutor de políticas econômicas e sociais. E assim tem sido nos últimos governos.
Não se sabe quem assumirá o comando do Brasil a partir de 2018, mas, se for a turma do Estado mínimo, das privatizações e do “sim senhor, multinacionais”, apenas a existência do PLS 131 já é suficiente para tornar obsoleto o sistema de partilha.
Serra pretende, pelas portas do fundo, derrubar um sistema que dá maior soberania ao país, retornando ao modelo em que a exploração predatória acontece sem qualquer mecanismo de controle do Estado.
A oposição aproveita a atual fragilidade política do governo para impor uma agenda que destrói conquistas da sociedade, atrasa o Estado brasileiro e o deixa subserviente aos interesses de multinacionais e potências econômicas como os EUA.
Em vez de reafirmar e trilhar o caminho da soberania, a oposição tucana se contenta em ser serviçal e colônia.